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Quantos dinossauros você já avistou hoje?

Eduardo Guimarães 


É difícil olhar para as aves, algumas vezes visitando nossa janela, e pensar em um dinossauro. Acredito que duas coisas contribuem para a permanência dessa dificuldade:

1. A exibição e popularização do filme “parque dos dinossauros”, que carimbou na memória das pessoas uma imagem muito clara (e aterrorizante) de um dinossauro. Inclusive, apenas como título de curiosidade, o filme parece ter gerado um aumento no número de iguanas traficadas devido suas semelhanças com os dinossauros mostrados no filme. Coisa parecida aconteceu também com o aumento na criação de corujas após o filme do Harry Potter (esses impactos culturais devem ser levados em consideração!).

2. A falha no ensino de evolução para as pessoas, principalmente no ensino básico. Afinal, como aceitar que aves são dinossauros sem entender que as espécies mudam ao longo das gerações? Lembro que a primeira vez que entendi os princípios básicos da evolução pela seleção natural de Charles Darwin foi quando entrei para cursar a faculdade de biologia. É triste isso pois a teoria da evolução está bem estabelecida como um fato. Como colocado há um bom tempo pelo geneticista e biólogo evolutivo Theodosius Dobzhansky: “Nada na Biologia faz sentido exceto à luz da evolução”.

Eduardo Guimarães Santos

Assim, quero aqui abrandar um pouco essa dificuldade colocando o meu ponto de vista. Espero gerar uma boa reflexão sobre o tema.
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Em uma conversa recente com um amigo ficamos brincando em citar quais aves mais lembram um dinossauro clássico dos filmes: Galinha, Urubu, Peru? Daria para colocar uma lista extensa e, para cada animal, nós tínhamos nossa própria explicação. O interessante é que a percepção era distinta para os dois. Os Anus, por exemplo, sempre me despertam essa reflexão e sempre sou compelido a pontuar: olha esse bicho, é fácil ver um dinossauro! Algumas vezes fico por vários minutos observando os bandos se alimentando no meio da cidade.

Os Anus pertencem a família de aves Cuculidae (os famosos Cucos, conhecidos por colocar ovos nos ninhos dos outros). Hoje são conhecidas 147 espécies em todo o mundo e algumas são bem famosas. O Geococcyx californianus, por exemplo, é o conhecido Papa-léguas dos desenhos (espécie corredora, podendo chegar aos 30 km/h). Os cucos se alimentam principalmente de insetos, apesar de não terem muitas restrições alimentares e comer pequenos vertebrados, lagartas e frutas. É interessante pontuar que 13% das espécies de cucos estão em risco de extinção e uma espécie de Madagascar (Coua delalandei) foi extinta no século XIX. No Brasil são registradas 20 espécies de cucos.

Algumas espécies dessa família são mais difíceis de ver, com comportamento mais arisco. Entretanto, duas espécies são muito comuns em ambientes urbanos e sempre que saio de casa avisto grandes bandos: o Anu-branco e o Anu-preto. O Anu-branco, por exemplo, sempre me surpreende quando observo o bando se alimentando. Eles andam juntos nos gramados das cidades fazendo um verdadeiro “arrastão”, lembrando inclusive os Velociraptors mostrados nos filmes. Além disso, as duas espécies têm um tipo de reprodução interessantíssima, com o bando construindo ninhos coletivos. Todos colocam o ovo no mesmo ninho e ninguém sabe de quem é o ovo, o que faz com que os adultos compartilhem o cuidado com todos os filhotes (uma estratégia muito interessante que pretendo abordar em outro texto).

Anu-branco (Guira guira) / William Sousa de Paula | Anu-preto (Crotophaga ani) / Eduardo Guimarães Santos

O legal da ciência é que, independentemente de nós acharmos ou não o animal parecido com o dinossauro, sua definição não muda. Para que mude é necessário passar pelo crivo científico, ou seja, extensa discussão entre especialistas ao redor do mundo. A ciência trabalha com fatos, teste de hipóteses e acúmulo de conhecimento. Como colocado pelo conhecido astrofísico Neil deGrasse Tyson: “O bom da ciência é que é verdade, acredite você ou não nela”. Estamos vendo isso de forma clara agora, acompanhando a pandemia da covid-19. Por isso o método científico é tão importante, sendo uma forma de pararmos de achar e começarmos a saber.

Afinal, o que nós sabemos?

Sabemos que as aves são dinossauros! Sabemos que de cerca de 150 milhões de anos até os dias de hoje esses dinossauros: ficaram menores, aumentaram a musculatura peitoral, ficaram com braços mais compridos, perderam a cauda óssea, perderam os dentes, descartaram um dos ovários, ficaram com ossos mais ocos (com isso diminuindo seu peso), a respiração ficou mais eficaz, o crescimento mais rápido e começaram a fazer o controle térmico de forma interna (homeotérmicos). Enfim, se tornaram as aves que conhecemos hoje.

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Escrevi e reescrevi esse texto muitas vezes, pensando se era interessante abordar as definições científicas dos dinossauros. Mas tudo que escrevia se tornava muito técnico e pouco informativo. Então, quero finalizar apenas fazendo o leitor refletir, retornando ao primeiro ponto levantado no início do texto: o filme “parque dos dinossauros”. Afinal, quem assiste o filme fica encantado com o Tyranosaurus rex (o “vilão” do filme). O pensamento é: as aves não se parecem com o Tyranossauro rex, logo, não são dinossauros. Gosto da resposta dada a esse questionamento pelo paleontólogo Steve Brusatte: “Os morcegos têm uma aparência e um comportamento muito diferente dos camundongos, ou das raposas, ou dos elefantes, mas ninguém argumentaria que não são mamíferos”. É isso, nem tudo o que parece é. Isso sempre me faz ter um maior encantamento pelo grupo e pelo processo evolutivo e seu poder. Também me faz ter um pouco de raiva dos filmes, que insistem em não colocar as penas dos dinossauros (provavelmente a maior parte tinham penas), apesar de eu entender a liberdade artística.

Já olhou as aves dessa forma? Quando observa uma ave você consegue ver alguma semelhança com os dinossauros? qual espécie mais chama sua atenção? Compartilhe com a gente aqui ou no Instagram.

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