Tamanduá-bandeira, natureza e biodiversidade!

Fogo Cerrado


O fogo é uma reação química de energia. No Cerrado, um mecanismo que ocorre há milhares de anos, onde exerce pressões na biota, o que leva ao desenvolvimento de formas para sobreviver aos seus efeitos diretos e indiretos, como comportamento fossorial em animais, inanição relativamente maior, proteção de órgãos importantes para a planta enterrados no solo, quebra da dormência de sementes e cascas espessas. Porém, a resposta da biota não é homogênea, difere entre as espécies de animais e entre tipos fisionômicos da vegetação.

O bioma Cerrado é um domínio fitogeográfico, de ampla ocorrência no Brasil, constituído de uma enorme diversidade paisagística, com relações ecológicas caracterizadas principalmente pela falta de um dossel contínuo, aquele típico de florestas mais fechadas por árvores. Essa formação permite a passagem de luz em grande quantidade, onde as espécies herbáceas se estabelecem e predominam, e por isso, a principal presença na flora. Além do mais, como qualquer bioma, o principal fator que regula e une o bioma Cerrado é o clima. Outros fatores atuam na fitofisionomia, o solo e o fogo, com papéis primordiais.

Nesse bioma, há registros de incêndio desde o final do Pleistoceno, há cerca de 32.000 anos, período anterior à chegada de humanos às Américas, sugerindo a necessidade de eventos de queimas sucessivas.

Em um contexto histórico, o fogo é um mecanismo chave na distribuição e composição de diversos ecossistemas do mundo, seleciona a biota e os processos ecossistêmicos. Ambientes selecionados pelo fogo possuem mecanismos que promovem a recorrência de queimadas para se manter. A maior parte das fisionomias do Cerrado são tidas como ecossistemas associados ao fogo.



As espécies vegetais do Cerrado são caracterizadas por atributos morfofisiológicos que permitem a sobrevivência e o sucesso reprodutivo após a passagem do fogo. Em arbóreas e arbustivas nota-se a periderme caulinar espessa, o que forma uma barreira física de proteção das gemas. Em espécies sublenhosas e não lenhosas, o próprio solo atua como um isolante térmico, protegendo os principais órgãos, seja subterrâneos com estoque de carboidrato e potencial regenerativo, ou rizomas, bulbos, tubérculos e xilopódios, a dispersão e quebra da dormência de semente induzida pelo fogo e caule espesso de cortiça. Portanto, a grande maioria das espécies vegetais evoluiu com o fogo e são capazes de brotar após uma queimada, numa estratégia ecológica comum entre as espécies de savanas.

Ao final da estação seca, e início da estação chuvosa, torna-se comum o incêndio natural ocasionado por raios, devido a um alto acúmulo de serapilheira seca e inflamável, e sucedido por vigorosas chuvas, na qual, permite a rebrota da vegetação nativa. 

Mas as queimadas frequentes, causadas por ação humana, quebram a sazonalidade natural do regime do fogo, podem prejudicar de forma mais severa, o que diminui as reservas de carboidratos e nutrientes necessários para o crescimento da vegetação pós-fogo. Além disso, pode favorecer diversas espécies de gramíneas e herbácea, em decorrência da disponibilidade imediata de nutrientes pelas queimadas, rapidamente incorporada pela vegetação. Contudo, o mesmo não acontece com a vegetação lenhosa. 

O fogo pode tanto favorecer como desfavorecer. Sabe-se que queimadas frequentes, com curto intervalo de tempo, podem resultar em uma diminuição da capacidade reprodutiva, de rebrotamento e um aumento da mortalidade das plantas lenhosas. No entanto, queimadas em intervalos menores tendem a favorecer a dominância e prevalência da vegetação herbácea e subarbustiva, pois algumas espécies de herbáceas estimulam a produção de sementes em queimadas frequentes.

O comportamento reprodutivo de algumas espécies de gramíneas muda após o fogo, com estímulos para floração e a produção de sementes, pois são altamente dependentes do fogo, e um número pequeno de espécies não floresce na passagem do fogo.

Em relação ao estrato herbáceo-subarbustivo, a produção de sementes, frutos e flores ocorre, para muitas espécies de maneira mais rápida, no qual, resulta em um grande número de unidades de dispersão. O período de maturação dos frutos para a maioria dos indivíduos do estrato herbáceo é de alguns meses, do que para espécies arbustivas e arbóreas, sendo que o estrato arbóreo pode apresentar um período de frutificação superior a 1 ano. Isso explica a alta representatividade dessas espécies, em relação às arbóreas após a passagem do fogo.

A fauna é fortemente influenciada, direta e indiretamente, pelos efeitos da queimada, na modificação da vegetação, o que altera o modo de vida, no próprio indivíduo (peso), na população e na composição da comunidade, que podem permanecer por muito tempo depois do incêndio ter ocorrido. A mortalidade é o efeito mais evidente da queimada na fauna, recorrente para mamíferos de grande porte, com a morte de tamanduá-bandeira (Myrmecophaga tridactyla), tatu-canastra (Priodontes maximus), anta (Tapirus terrestris), veado-campeiro (Ozotocerus besoarticus), cervo-do-pantanal (Biastocerus dichotomus), lobo-guará (Chrysocyon brachyurus), dentre outras espécies.
 
Para tamanduás-bandeira, o tipo de cobertura de pelos (densos e compridos), unido a uma limitada capacidade de fuga (têm pernas curtas e são incapazes de saltar), aumenta sua vulnerabilidade ao fogo. Já os mamíferos de pequeno porte, têm menor registros de morte direta pelo fogo, pois, se escondem em galerias subterrâneas. O principal fator que limita a sobrevivência é a redução na oferta de alimento, devido à eliminação da vegetação com a queimada. 

Ao analisar as diversas adaptações observadas nas plantas para sobreviver às queimadas, de modo semelhante poderíamos esperar adaptações para a fauna, como algumas espécies que sobrevivem por um período longo de inanição após o fogo, ou usando diferentes recursos alternativos como de insetos, que aumentam drasticamente em abundância das principais ordens de insetos nas primeiras semanas após o fogo e os fungos.

Histórico de dados
A partir de 1985 o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) começou experimentos de detecção das queimadas no Brasil, em parceria com a NASA (National Aeronautics and Space Administration – Administração Nacional da Aeronáutica e Espaço, uma agencia estadunidense). Já em 1998 o projeto ficou mais forte e desde então existem mais instituições que fazem monitoramento de queimadas, sejam elas relacionadas à observação do risco de fogo, previsão do risco de fogo, histórico e dados do fogo, entre outros. Isso ajuda a fazer um levantamento sobre áreas mais afetadas, áreas de possíveis riscos, além de áreas que possam ser salvas de alguma maneira contra o ataque do fogo, através do monitoramento com base em histórico de análise de dados.
A seguir alguns dados:



De fato, as queimadas que vêm acontecendo nos últimos anos, e nos meses mais recentes, podem causar muitos problemas tanto para o meio ambiente, como para seres humanos. É importante saber que o clima do Cerrado, sendo ele quente e com uma estação seca por meses, favorece que aconteçam as queimadas, tanto naturais como aquelas causadas pela ação humana, cada vez mais frequentes. Todo esse conjunto que engloba o clima do Cerrado, como por exemplo, a biomassa seca, condições de umidade extremamente baixas e as altas temperaturas da época no ano, tornam o fogo quase invencível. Com isso, temos alguns problemas provocados como a perda de animais, pois muitos morrem tanto nas queimadas ou mesmo quando conseguem fugir delas, em decorrência das intoxicações, a perda da vegetação, o que pode levar espécies à extinção local, aumento do gás carbônico na atmosfera, os problemas respiratórios através da fumaça e da poluição do ar, entre outros que relacionados. Infelizmente, o fogo tem se tornado muito frequente e reincidente em muitos locais, ano após ano. Quanto mais incêndio, mais poluição do ar e mais problemas ambientais que afetam todos os seres vivos.  

O Manejo Integrado do Fogo
Manejo Integrado do Fogo – MIF é um conjunto de atividades realizadas para cuidar da ocorrência de incêndios naturais ou causados pelas pessoas. Geralmente o MIF é desenvolvido em três etapas: planejamento, implementação e avaliação, após o período com maior incidência de incêndios. A utilização das técnicas de queimadas controladas para os períodos mais secos, a criação de aceiros estratégicos, a redução da biomassa das florestas, dentre outras atividades, ajudam a prevenir e reduzir incêndios maiores. Também facilita o controle e o monitoramento de queimadas. Tudo isso permite um uso sustentável do ecossistema e a conservação da natureza. Agradecimentos às brigadas de incêndio florestal pela importante atuação no combate ao fogo!


Fogo = 3 x 30
As queimadas do Cerrado, são geralmente de baixa a moderada intensidade, podendo ser incrementada por três fatores, como pela, disponibilidade de combustível, ou seja pela serapilheira, gramíneas que favorecem a propagação do fogo, devido seu alto consumo pelo combustível. Pelas altas temperaturas do ar e do solo, que se dá, pela falta de um dossel, ocasionando uma alta inflamabilidade. E com ventos fortes potencializando as queimas espalhando o fogo de forma rápida e imprevisível.

Cidadania do Fogo no Cerrado
No que você pode ajudar?
- Não faça fogueiras próximas a áreas verdes
- Informe ao órgão ambiental local o surgimento de um foco
- Disque 193 (Bombeiros)

Leia mais
- Atributos morfológicos de sementes de espécies de Cerrado relacionados ao fogo. Ramon Monteiro Bailon. Dissertação de mestrado – UNESP. 2022. https://repositorio.unesp.br/handle/11449/235439.
Efeitos do regime de fogo sobre a estrutura de comunidades de Cerrado: Projeto Fogo. Heloisa Sinátora Miranda, organizadora – Brasília: Ibama, 2010.


Natu Especial Fogo Cerrado • 11/09/2022 • Redação • Direção: Rodrigo Viana; Edição: Henrique Alexandre, Livia Malatrasi, Rebeka Câmara; Fotografias: Cíel Silva, Daphnne Chelles, Duda Menegassi e Vinícius Coelho. Essa Edição é associada à Natu do Instituto Jurumi.

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Projeto Vida de Tamanduá (Myrmecophaga tridactyla).